Projeto de Resolução n.º 316/XIII – 1.ª

«Pelo combate à precariedade na estiva»

A presente iniciativa foi desenvolvida na sequência da avaliação realizada na Audição Parlamentar promovida pelo PCP na Assembleia da República no passado dia 22 de Abril, onde se constatou um crescimento exponencial da precariedade, associada a níveis crescentes de exploração dos trabalhadores nos portos portugueses.

Passados três anos da aprovação da Lei n.º 3/2013, de 14 de Janeiro, que alterou o Regime Jurídico do Trabalho Portuário, a evolução confirmou todos os alertas então realizados pelo PCP e pelas organizações dos trabalhadores portuários, e desmentiu categoricamente toda a propaganda usada pelo Governo de então e pelo patronato para a fazer aprovar.

A realidade que se vive nos portos nacionais é de ataque generalizado aos direitos dos trabalhadores, na degradação das condições de trabalho e das relações laborais, mas também na degradação das condições da segurança operacional e da qualidade do serviço na estiva. A situação que o sector está a atravessar vem suscitar a exigência de uma resposta efetiva do poder político e das autoridades competentes, não só nas medidas concretas para combater a precariedade, mas desde logo nas necessárias alterações ao Regime de Trabalho Portuário, no sentido de revogar as normas gravosas desse diploma.

O Efetivo Portuário

A total precariedade marcou sempre o trabalho na Estiva até à revolução libertadora de Abril. No nosso país, ficaram na memória coletiva as «Casas do Conto», onde os estivadores se apresentavam diariamente na esperança de nesse dia «contarem», ou seja, de nesse dia serem colocados a trabalhar.

As alterações positivas na correlação de forças entre capital e trabalho, bem como a luta dos estivadores, permitiram avanços importantes, tanto à escala internacional como à escala nacional, que foram limitando os níveis de precariedade e exploração.

A consagração do direito à existência de um «efetivo portuário» representou um avanço decisivo no combate à precariedade. Esse princípio, consagrado em convenção internacional ratificada por Portugal, estabelece que, independentemente das formas de organização de cada porto, deve existir um conjunto de trabalhadores, efetivos, que assegurem o essencial da atividade de estiva em cada porto.

Para o PCP, a forma natural de funcionamento dos portos portugueses, que permitiria salvaguardar esse princípio, seria a de uma administração pública dos portos que assegurasse diretamente todas as operações portuárias, constituindo esse efetivo portuário no quadro das próprias empresas públicas que asseguram a administração portuária.

Mas não é essa a realidade existente. O sector portuário foi dos primeiros a ser liberalizado, com a entrega da maioria da atividade portuária a grupos económicos através de concessão. Este desenvolvimento negativo, só por si, não é impeditivo que o efetivo portuário fosse constituído no interior das administrações portuárias, desde que se impusesse aos operadores privados o recurso a trabalhadores da administração portuária para a realização do trabalho portuário.

Mas também não foi essa a opção tomada. O caminho seguido até 2011 foi o da criação, em cada porto, de uma empresa de trabalho portuário (ETP), onde se encontra o essencial do efetivo portuário, empresa que depois fornece os estivadores necessários às operações de cada operador portuário. Essas ETP são propriedade do conjunto das empresas operadoras portuárias.

Esta opção ainda permitiu um certo equilíbrio, na medida em que salvaguardava a existência de um efetivo portuário com estabilidade, formação e salários dignos (interesse central dos estivadores) e permitia às operadoras ter custos com a força de trabalho inferiores àqueles que teria se cada empresa concessionária criasse o seu próprio efetivo (interesse central dos patrões da estiva). Neste «equilíbrio», o controlo da operação portuária, mesmo a efetuada pelos trabalhadores das ETP, manteve-se na esfera jurídica das operadoras.

No entanto, a degradação geral das leis do trabalho, e a alteração na correlação de forças entre o capital e o trabalho, romperam esse equilíbrio, na medida em que o patronato da Estiva passou a acreditar na possibilidade de impor níveis muito maiores de precariedade, e consequentemente, de conseguir uma exploração muito maior da força de trabalho. E sempre que o patronato acredita na possibilidade de aumentar a exploração, esse aumento passa a ser apresentado como uma necessidade.

Foi o que aconteceu, levando ao surgimento da proposta de alteração ao Regime do Trabalho Portuário em 2012, que respondia às «necessidades» do grande capital europeu e dos concessionários em Portugal.

Esta alteração ao regime do trabalho portuário acabaria por ser imposta em 2013, e deixou de considerar o «efetivo dos portos» como «o conjunto dos trabalhadores detentores de carteira profissional adequada que desenvolvem a sua atividade profissional, ao abrigo de contrato de trabalho sem termo, na movimentação de cargas». Deixou ainda cair a exigência desse efetivo ter carteira profissional e contrato sem termo, passando a considerar como efetivo portuário qualquer trabalhador no porto, mesmo que precário e sem formação – o que é outra forma de dizer que acabou com o conceito de efetivo portuário.

Essa é uma primeira linha de inversão que importa seguir: repor a exigência legal deste efetivo portuário, voltar a consagrar a obrigatoriedade de atribuição de carteira profissional (a qual, apesar de legalmente prevista, nunca foi objeto da devida regulamentação e deveria ser finalmente criada).

Regime Especial do Trabalho Portuário

O novo Regime Jurídico do Trabalho Portuário aprovado em 2013 veio criar o regime especial de trabalho portuário, permitindo a contratação de muito curta duração, permitindo contratos a termo inferiores a seis meses e sem limite de renovações, permitindo o regime de trabalho intermitente, alargando os limites do trabalho suplementar para 250 horas por ano e permitindo maiores alargamentos desse limite pela contratação coletiva (já que na anterior legislatura, com a maioria PSD/CDS-PP, os limites imperativos na contratação coletiva só existiam contra os trabalhadores).

A introdução deste regime especial é negativa em si mesma, na medida em que introduz possibilidades de precariedade que a legislação portuguesa não deveria sequer permitir. Mas no quadro deste processo, deve ser vista como mais uma peça para destruir o conceito de efetivo portuário. É exatamente porque no trabalho portuário um determinado operador tem necessidades de mão-de-obra intermitentes, irregulares ou sazonais, apesar do porto ter uma atividade regular, que se criaram as ETP para fornecer essa mão-de-obra.

 

Importa recordar que o contrato de muita curta duração está previsto no artigo 142.º do Código do Trabalho para atividade sazonal de natureza agrícola, ou para evento turístico de duração não superior a 15 dias, sendo o limite anual de duração máxima permitida de 70 dias. Isto só por si é já inaceitável. Mas a exceção para o sector portuário, que permite que tal duração seja de 120 dias, veio retirar todo o sentido à “curta duração” do contrato, e só se compreende no quadro de um intuito, da parte de quem alterou o Regime Jurídico do Trabalho Portuário, apenas de ampliar as hipóteses de concretização de trabalho precário.

 

Ao permitir as formas de precariedade deste regime especial, para mais num quadro em que a certificação deixou de ser uma imposição legal, a lei está a estimular o fim do efetivo portuário, ou pelo menos, a sua redução ao núcleo mínimo que os operadores de estiva necessitem, e está a lançar a profissão de estivador novamente para a precariedade absoluta. É neste âmbito que Portugal entra em violação da Convenção 137 da OIT (ratificada por Portugal) que estabelece o seguinte:

 

«Artigo 2.º

1. Incumbe à política nacional estimular todos os sectores interessados para que assegurem aos portuários, na medida do possível, um emprego permanente ou regular.

2. Em todo caso, um mínimo de períodos de emprego ou um mínimo de renda deve ser assegurado aos portuários sendo que a sua extensão e natureza dependerão da situação económica e social do país ou do porto de que se tratar.»

 

Ora, este regime ao incorporar ao efetivo qualquer trabalhador que esteja a trabalhar no porto, e ao permitir que este trabalhador esteja contratado nas formas previstas pelo regime especial de trabalho portuário está a fazer o oposto daquilo que se comprometeu internacionalmente.

 

Esta é uma alteração urgente que importa implementar. As necessidades permanentes das empresas de estiva devem ser supridas através da contratação de trabalhadores permanentes, e as suas necessidades sazonais, intermitentes, irregulares devem ser supridas por ETP dimensionadas às necessidades de cada porto, e onde os estivadores tenham contratos de trabalho efetivos. O regime especial do trabalho portuário deve pura e simplesmente ser abolido.

 

As Empresas de Trabalho Portuário

Como já se demonstrou, as Empresas de Trabalho Portuário foram o mecanismo criado para colocar a maioria do efetivo portuário, cedendo depois os trabalhadores para a atividade de movimentação de cargas dos diferentes operadores.

 

O novo regime jurídico veio criar uma importante fragilidade nesse conceito: introduziu a possibilidade de estas empresas de trabalho portuário contratarem empresas de trabalho temporário para depois fornecerem trabalhadores que depois seriam «subalugados». Estamos novamente perante uma situação de precariedade extrema que deveria ser proibida por lei em vez de autorizada. E estamos novamente perante mais um passo no sentido da destruição do efetivo portuário, na medida em que as próprias ETP passam a poder ser compostas por trabalhadores «alugados” a ETT.

 

Sublinhe-se que a Lei proíbe expressamente, no artigo 173.º do Código do Trabalho, a cessão de trabalhadores entre empresas de trabalho temporário. Mais uma vez, a única exceção a tal proibição é o trabalho portuário, cujo regime jurídico contempla uma regra totalmente oposta à prevista para a generalidade dos outros sectores de atividade.

 

Ao mesmo tempo, o regime deixou a porta escancarada para que o patronato do sector lançasse um processo de falências sucessivas das ETP existentes, como mecanismo de destruição dos direitos dos estivadores, e à boleia, como mecanismo para melhorar fraudulentamente a situação financeira das empresas de estiva detentoras dessas ETP.

 

Concretamente, a lei permite (na medida em que não proíbe) que para um mesmo porto/terminal sejam criadas novas ETP, mesmo que pelos mesmos detentores das atuais ETP.

 

Os grandes grupos económicos da estiva são simultaneamente os donos e os principais clientes das empresas de trabalho portuário.

 

A ausência de proibição legal de que um operador possa ser sócio/associado de várias ETP no mesmo porto permite que, na prática, aquele consiga beneficiar de, por um lado ser associado de uma instituição que goza de utilidade pública e, por outro, ser simultaneamente sócio de uma sociedade concorrente daquela, podendo fixar os preços que bem entender em cada uma delas.

 

Desde logo, tal realidade vem criar uma desvirtuação total da atividade das ETP, as quais poderão ser sacrificadas ou beneficiadas patrimonialmente, em função dos interesses das suas (simultaneamente) sócias e clientes, e não no seu próprio interesse.

 

Por outro lado, coloca-se o problema do regime jurídico das ETP não salvaguardar expressamente a responsabilização coletiva e solidária dos seus sócios/associados, em caso de todo e qualquer incumprimento de obrigações, o que, mesmo tendo em conta a natureza associativa da maioria daquelas, não impediu os operadores associados das mesmas de recorrerem ao expediente de criarem novas ETP, que concorrem diretamente com as antigas, com o propósito de reduzirem de forma violenta os custos salariais destas últimas, através da ameaça permanente da insolvência, a qual, diga-se, foi mesmo concretizada no porto de Aveiro.

 

Aponta-se assim a estratégia do recurso a processos de insolvência onde desapareceriam os prejuízos que geraram esses lucros fraudulentamente adquiridos. Basicamente, as empresas vendem a mão-de-obra abaixo do custo de produção, acumulam prejuízos para garantir lucros aos clientes, e na insolvência “limpam” esses prejuízos das ETP, mas mantêm os lucros dos clientes das ETP que são os donos dessas ETP. E ao provocarem essas insolvências as empresas ainda se libertam das obrigações para com os trabalhadores – únicas e verdadeiras vítimas destes processos – na medida em que a massa falida não consegue cobrir as indemnizações e outras dívidas para com eles.

 

O PCP alertou explicitamente para o risco de o patronato se lançar neste caminho com a aprovação da lei. É certo que o Estado tem a possibilidade de limitar essas práticas, pois é o responsável por licenciar e regular estas ETP, mas a verdade é que foi feito exatamente o oposto, permitindo e estimulando estas situações.

 

O primeiro processo foi desenvolvido no porto de Aveiro. Aí, as empresas provocaram a insolvência da ETP-Aveiro, abandonaram-na e criaram uma nova ETP (a GPA). Só os trabalhadores perderam – diminui o número de efetivos, reduziu-se o preço da força de trabalho, cresceu a precariedade.

 

O segundo processo de insolvência avança em Lisboa, onde o patronato está a provocar a insolvência da ETP-Lisboa: não aumentando há anos sucessivos os preços cobrados às empresas de estiva pela utilização da mão-de-obra; atrasando cada vez mais os pagamentos das empresas de estiva à ETP-L; recusando-se a contratar como efetivos ou mesmo a dar trabalho a cerca de 50 trabalhadores precários da ETP-L, e substituindo-os pelo recurso a horas extraordinárias dos trabalhadores efetivos, violando mesmo todos os limites legais, e provocando um aumento nos custos sem contrapartida nas receitas (não só o trabalho extraordinário é mais caro, como os trabalhadores efetivos têm salários superiores aos daqueles 50); desarticulando vários aspetos da operação, com o sistemático pagamento de trabalho não realizado por responsabilidade patronal (equipas insuficientes, horários desencontrados, etc.).

 

A situação destes 50 trabalhadores precários da ETP-L a que o patronato recusa trabalho desde o dia 2 de Novembro é particularmente grave. Quando já deveriam ser efetivos – e é essa a justa reivindicação do Sindicato – pois encontram-se precários há largos anos (na Audição Parlamentar realizada pelo PCP, um desses trabalhadores testemunhou estar há oito anos precário) veem-se sem os rendimentos mínimos para assegurar a sua subsistência.

 

Paralelamente à preparação da insolvência da ETP-Lisboa, o patronato do Porto de Lisboa avançou ainda com a criação de uma nova ETP, a Porlis, cujos trabalhadores têm, naturalmente, salários muito inferiores aos dos restantes trabalhadores do mesmo porto.

 

Fruto da luta dos estivadores, o patronato ainda não conseguiu utilizar a Porlis para a plena concretização dos seus planos. Mas o que já fez é suficiente para perceber os seus reais objetivos. Destacamos a rocambolesca criação de um Sindicato da Porlis com 23 trabalhadores, que imediatamente assinou um contrato coletivo integralmente escrito pelo patronato que o criara. Episódio que culminou, quando os trabalhadores da PORLIS se aperceberam do que em seu nome fora feito, com uma Assembleia Geral onde extinguiram esse Sindicato criado pelo patrão (extinção já publicada no Boletim do Trabalho e Emprego).

 

Evidentemente nada disto poderia aconteceria se as ETP fossem parte integrante de uma administração portuária pública. Mas no quadro atual, se o Governo quer manter as ETP como propriedade das empresas de Estiva e impedir a sua utilização fraudulenta, não tem alternativa que não seja aumentar o controlo à gestão destas ETP, limitar a sua multiplicação, reforçar os mecanismos de controlo de gestão por parte dos trabalhadores e do Estado, responsabilizar os sócios das ETP por quaisquer incumprimentos que estas venham a registar.

 

Os embustes da «competitividade, liberalização e concorrência»

Toda a luta para a imposição da atual lei foi travada – por parte do patronato e de quem o apoiou – com base no argumento da necessidade de uma maior competitividade dos portos portugueses. Naturalmente nunca conseguiram explicar como outros portos europeus, todos com salários e direitos superiores aos praticados em Portugal, conseguem atingir essa competitividade.

 

Ora, se a localização geográfica dos nossos portos é uma importante vantagem competitiva (para alguns tipos de atividade) e o preço da força de trabalho está muito abaixo da média europeia, será lógico concluir que essa falta de competitividade deve ser explicada por causas alheias aos trabalhadores, e antes pelo contrário, provocadas por um patronato que pratica margens de lucro enormes, que investe muito pouco e se revela incapaz de uma organização eficaz da operação portuária. De resto, sublinhe-se que, antes de procurar a competitividade com portos de outros países, o que os portos portugueses deveriam procurar era a maior ligação possível à economia nacional, quer nos planos da importação e exportação, quer nos planos das redes de transportes e logística, da formação, etc.

 

Importa ainda recordar, a esse propósito, as declarações do próprio Secretário de Estado em 2011, que afirmou que Portugal ia «ter problemas» pois seria o «balão de ensaio» do que a Comissão queria fazer em todos os países. Ou seja, o Governo reconheceu que estava a executar uma tarefa ao serviço da redução do preço da força de trabalho em todos os portos europeus. O objetivo não era nem é uma maior competitividade: é aumentar a exploração e o lucro do capital.

A única competitividade que este processo aponta é entre a força de trabalho, provocando a redução do preço dessa força de trabalho porto a porto, país a país. É significativa a facilidade com que os operadores desviam cargas de uns portos para os outros sempre que tal lhes é útil para quebrar a resistência dos trabalhadores de um determinado porto. Até porque os operadores são cada vez mais os mesmos nesses portos que supostamente competem entre si.

Um outro embuste muito comum sobre o caminho que tem sido imposto aos portos portugueses é o de que se está a promover a concorrência e a liberalizar a atividade. Isso só é verdade de uma forma restrita e completamente diferente daquela em que nos é apresentada: tem sido de facto promovida a concorrência entre a força de trabalho, com o evidente objeto de fazer reduzir o seu preço. Fora isso, a liberalização tem sido o caminho para a concentração monopolista.

 

Veja-se o quadro português. O essencial do porto de Sines está entregue a uma multinacional (a PSA). No conjunto dos restantes portos, mais de 50% da atividade está concessionada a outra multinacional (Yildrim) depois do habitual papel intermediário desempenhado por um grupo capitalista português (no caso, a Mota Engil). Depois, surge o Grupo ETE, com um peso significativo à escala nacional, e depois um pequeno lote de operadores que tendem a desaparecer.

 

O processo em curso destina-se a colocar ao serviço exclusivo das multinacionais os portos de Portugal, garantindo ainda o menor custo possível com a força de trabalho. Não tem como objetivo servir Portugal, é antes pelo contrário uma das causas para a difícil situação económica do país.

 

Um aspeto incontornável deste problema prende-se com um claro abuso da posição dominante no mercado por parte de um oligopólio. Atualmente já existe um oligopólio no sector portuário, no qual 3/4 grupos empresariais controlam mais de 90% dos terminais portuários, e também da mão-de-obra no sector, ETP incluídas.

 

A nível de cargas, esse oligopólio consegue já transferir cargas de uns portos para outros, podendo, por essa via, valorizar, ou desvalorizar, um terminal específico, conforme lhe seja mais conveniente, o que consegue fazer sob a capa de melhores condições concorrenciais, através de preços que pode promover através da manipulação dos custos salariais.

 

A nível laboral, o oligopólio é o maior cliente das ETP do Continente e da Madeira – sendo simultaneamente, associadas/sócias das mesmas as empresas que integram os respetivos grupos empresariais – podendo, por isso, manipular quase todo o contingente laboral nacional, em especial nos portos onde operam. Essa prática pode ser feita, nomeadamente, aumentando ou diminuindo, pela via dos desvios da carga, as necessidades de mão-de-obra das ETP. Por essa via, podem criar a aparência de necessidade, ou desnecessidade de mão-de-obra, por parte da ETP local, sendo-lhe ainda possível criar uma ou mais ETP alternativas, com quadros preenchidos por trabalhadores a termo, as quais serão sempre rentáveis, por terem requisições garantidas, mas que implicarão sempre o encerramento da ETP já existente (como já se fez feito no porto de Aveiro e se tenta fazer no porto de Lisboa).

 

A única concorrência que cresce nos portos é entre a força de trabalho, garantindo preços cada vez mais baixos para a exploração por esse oligopólio. Como em tantos sectores da nossa economia, por trás das belas palavras, a realidade que está a ser construída é da uma crescente precariedade e empobrecimento para os trabalhadores e o povo, a par do aumento de lucros e rendas para uma minoria.

 

Para eliminar o oligopólio e reduzir a precariedade e a exploração dos trabalhadores, só há uma solução: eliminar as concessões do sector portuário, passando as operações a ser asseguradas diretamente pelas administrações portuárias públicas, e em cada administração garantir o correspondente efetivo portuário. E mesmo sem querer assim resolver o problema, para reduzir as consequências, para os trabalhadores do modelo que está em vigor, é sempre necessário serem criadas ETP públicas, que seriam impostas aos operadores que concorressem a uma concessão, não podendo ser admitidos trabalhadores portuários a não ser por intermédio dessas ETP.

 

Perante todo este quadro, e tendo ainda em conta a forma unilateral como o anterior Governo impôs a revisão do Regime Jurídico do Trabalho Portuário, importa que a Assembleia da República tome posição no sentido de defender os trabalhadores e o emprego estável e com direitos, as melhores condições de trabalho, a promoção da estabilidade, qualidade e segurança na operação portuária, bem como os sectores produtivos e a economia nacional.

 

Assim, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

 

Nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, a Assembleia da República resolve pronunciar-se pela necessidade das seguintes medidas:

 

Iniciar, com carácter de urgência, um processo de revisão do Regime Jurídico do Trabalho Portuário, envolvendo todas as organizações representativas dos trabalhadores portuários, e que possa levar a uma alteração no sentido de:

  1. Salvaguardar o efetivo portuário, no espírito da Convenção n.º 137 da Organização Internacional do Trabalho;
  2. Eliminar o regime especial do trabalho portuário, combatendo assim a possibilidade do recurso sistemático à precariedade no sector;
  3. Repor as exigências de certificação profissional, voltando a consagrar a obrigatoriedade de atribuição de carteira profissional e garantindo a sua regulamentação e utilização;
  4. Promover a alteração do quadro jurídico das atuais Empresas de Trabalho Portuário e assegurar uma fiscalização eficaz das mesmas, nomeadamente:

  1. 1.Para impedir irregularidades e práticas fraudulentas na gestão das empresas, com destaque para a manipulação de resultados e eliminação de postos de trabalho e contratação;
  2. 2.Para impedir o sistemático recurso à precariedade, e conduzir à crescente integração de todos os trabalhadores no quadro;
  3. 3.Para impedir a imposição de volumes de trabalho extraordinário acima dos máximos legais;
  4. 4.Para impedir a multiplicação de ETP por cada porto.

  1. Determinar que, até à conclusão do processo de revisão do Regime Jurídico do Trabalho Portuário, seja interrompida a emissão de licenças para novas ETP, e que sejam revistas imediatamente as condições de licenciamento daquelas ETP (como é o caso da PORLIS) que foram claramente criadas para práticas ilegais e condenáveis.

Assembleia da República, 11 de Maio de 2016

Os Deputados,

BRUNO DIAS; RITA RATO; DIANA FERREIRA; PAULO SÁ; CARLA CRUZ; JOÃO OLIVEIRA; MIGUEL TIAGO; JORGE MACHADO; JOÃO RAMOS; JERÓNIMO DE SOUSA; ANA MESQUITA; FRANCISCO LOPES