Com o seu nome ligado à Revolução dos Cravos
através da canção que serviu de senha à saída dos militares
revolucionários, Grândola «Vila Morena» pode ficar marcada pela decisão
– inédita – da autarquia, de maioria PS, de despejar o PCP do edifício
onde funciona o seu Centro de Trabalho desde 1974.
A
decisão de denunciar o contrato de arrendamento foi tomada na reunião
de Câmara que se realizou no dia 31 de Janeiro, com os votos contrários
dos vereadores comunistas. A partir dessa data, o PCP tem 120 dias para
abandonar o edifício, que é propriedade da autarquia.
Tudo começou
em 2003, quando a autarquia informou o PCP que pretendia recuperar o
espaço para utilização do município. Em 2006 e 2007, foram realizadas
duas reuniões entre a autarquia e a organização local do PCP, onde se
fixaram as responsabilidades das partes para a resolução deste
problema.
Na conferência de imprensa realizada no dia 7 de
Fevereiro, a Comissão Concelhia de Grândola reafirmou que foi a Câmara
Municipal que «rompeu unilateralmente o processo em curso e o
compromisso de ambas as partes para encontrar uma solução digna para o
PCP e para a Câmara Municipal». Os comunistas realçaram que «não foi o
PCP que se recusou a entregar as instalações, mas sim a Câmara
Municipal que não deu um único passo para encontrar uma solução digna».
Na
reunião de Outubro de 2007, o PCP apresentou três alternativas de
espaços passíveis de serem utilizados pela sua organização concelhia,
partindo do que considera serem as «condições adequadas» ao
funcionamento do Partido no concelho. A estas propostas, a autarquia
não deu ainda qualquer resposta, apesar de, na reunião realizada em
Novembro de 2006, a Câmara Municipal se ter comprometido a «colaborar
na concretização de uma solução». Para o PCP, isto «demonstra
claramente a falta de seriedade dos eleitos do Partido Socialista».
Em declarações ao Avante!,
Manuel Valente, do Comité Central do PCP e responsável pela Direcção da
organização Regional do Litoral Alentejano, realçou que os comunistas
não pedem qualquer tratamento especial. Apenas exigem que a autarquia
trate o PCP como uma qualquer outra instituição, com respeito e
dignidade.
Uma decisão indigna
Tanto
na conferência de imprensa como no comunicado distribuído à população
no dia 30 de Janeiro, o PCP acusa o presidente da Câmara Carlos Beato e
os vereadores do PS de agirem de má fé. Os comunistas lembram que estes
não fizeram qualquer tentativa nem desenvolveram um único esforço, como
era «sua obrigação», limitando-se a enviar ofícios ao PCP solicitando
que este entregasse as instalações.
Reconhecendo que se atrasou na
resposta à solicitação da Câmara, o PCP lembra que tomou a iniciativa
de propor a referida reunião de Novembro de 2006. Além disso, os
comunistas realçam que se empenharam na procura de soluções e se
disponibilizaram para «estabelecer um compromisso com a Câmara
Municipal para o desenvolvimento de todo este processo de difícil
resolução».
No comunicado distribuído à população, o PCP considera
«arrogante, prepotente e autoritária» a atitude da maioria PS e do
presidente da Câmara, Carlos Beato. E garante que continuará a luta
para defender os interesses do concelho de Grândola e do seu povo,
contra aqueles que hipotecam o seu futuro. Por isso, conclui, «não
toleram a oposição firme e determinada do PCP e por isso procuram
limitar a sua intervenção e actividade».
Com esta decisão, é a
própria autarquia que não sai dignificada, sustenta o PCP. Esta decisão
«envergonha Grândola e o seu povo, o Portugal de Abril, os democratas,
os antifascistas, os revolucionários que lutaram contra o fascismo,
pelo 25 de Abril, pela liberdade e a democracia, luta essa em que
muitos grandolenses participaram e onde os comunistas estiveram na
primeira linha de combate, associando, para sempre, Grândola à
Revolução dos Cravos».
História dá razão aos comunistas
A
organização concelhia de Grândola do PCP está instalada no local desde
1974. Ao contrário do que muitos têm dito, o edifício não foi «ocupado»
pelo Partido, tendo sido o estabelecimento dos comunistas no local
autorizado pelo próprio Ministério da Justiça (visto que antes
funcionava lá uma prisão), com autorização do presidente da Câmara.
Não
deixa de ser curioso que o presidente da Câmara que autorizou a
instalação do Partido no edifício tenha transitado do regime fascista
(tendo-se mantido no cargo até à entrada em funções da Comissão
Administrativa), enquanto que aquele que exige o despejo goste de se
apresentar como «militar de Abril».
Entre 1974 e 1983, o Centro de
Trabalho do Partido funcionou apenas no Rés-do-Chão do edifício,
mediante o pagamento de uma renda de 500 escudos. Em Dezembro de 1983,
foi assinado um contrato de arrendamento entre a Câmara Municipal e o
PCP, tendo a renda triplicado, passando os comunistas a pagar cerca de
1500 escudos.
Acerca do valor da renda, que muitos têm acusado de
ser muito baixa, Manuel Valente respondeu que o PCP sempre pagou a
renda fixada. E lembrou que caberia à autarquia actualizar o seu valor,
coisa que nunca fez – quer durante os anos em que a CDU dirigiu a
autarquia quer nos seis anos de maioria PS. Ironia das ironias, o valor
da renda fixado em 1983 foi proposto por um vereador do PS.
in, jornal Avante
|